sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Nota Fiscal "Inidônea"

Desde há muito tramitam nos Conselhos de Contribuintes, recursos e pedidos de reconsideração, em face de julgamentos de autos de infração por conta de “utilização de notas fiscais inidôneas”, como se houve por bem chamar os documentos fiscais sobre os quais, depois de lançados em contabilidades, pairem dúvidas sobre a idoneidade.

É completamente descabido querer fazer como tem feito algumas receitas de estado, ao lançar a responsabilidade pela inidoneidade do documento ao contribuinte, que recebeu a mercadoria e lançou a nota representativa do recebimento da mesma, em sua contabilidade.
Trata-se claramente de terceiro de boa-fé que não pode arcar com as falhas de fiscalização de responsabilidade da receita do Estado, que permite o trânsito de mercadorias com notas fiscais sem o pagamento dos tributos relativos.

A boa-fé do comerciante, entende-se provada desde que tendo havido prova da realização do negócio comercial. O pagamento da fatura relativa a nota fiscal, por exemplo é uma prova. No entanto casos houve especialmente quando tínhamos a CPMF, em que o comerciante, já escaldado e sugado em todos os momentos, procurava se proteger de mais esta tributação, e fazia o pagamento em dinheiro em espécie ou mesmo através de cheques de terceiros.

Casos diversos há em que ocorreu isso. A receita por sua vez, em seu posicionamento pela manutenção do auto, tinha como maior alegação a “inexistência de prova cabal” do negócio por inexistir “comprovação de pagamento da operação”.

Importa dizer aqui que quando uma empresa adquire mercadorias, o que de fato interessa aos comerciantes é a a existência da mercadoria, o preço e as condições de entrega mercadoria.

Importa também receber a nota fiscal dentro de padrões que dêem acreditar seja ela idônea. Podemos citar como exemplo para a verificação da nota fiscal: que ela tenha timbre da empresa que vende e remete as mercadorias, valores especificados, condições adredemente ajustadas, placa do veículo transportador e quanto tínhamos a nota fiscal física, de papel, (hoje substituída pela nota fiscal eletrônica), um carimbo de repartição fiscal da entrada da mercadoria no estado onde deveria ser entregue.
Em muitos casos com esses requisitos todos, as notas fiscais depois de entendidas inidôneas pelas autoridades do fisco, às vezes por uma simples declaração da emitente dizendo que “não a emitira” tirava toda a legalidade da operação, caindo sobre o comerciante adquirente a responsabilidade pelo pagamento dos tributos e multas eventualmente devidos pela operação, supostamente ocorrida sob a utilização de nota fiscal inidônea.

O Estado, não quer perder nada, mesmo que tenha fiscalizado mal.

Cabe dizer aqui, que o Estado não cumpre sua função de fiscalizar corretamente e quer impor ao comerciante que age legalmente, inclusive lançando em sua contabilidade a nota fiscal posteriormente taxada de “inidônea” pelo fisco, a responsabilidade pelo pagamento de tributos e multas.

O poder de fiscalização, o poder de coerção, para fiscalizar, quem tem é o Estado. Não pode o comprador adentrar a empresa de quem adquire e analisar sua contabilidade, seus livros fiscais e só depois disso formalizar a compra da mercadoria. Ainda que assim agisse, estaria sujeito a que posteriormente o Estado declarasse “inidôneo” o documento fiscal.

Não tem esse poder o comerciante. Quem detém esse “múnus” é o Fisco Estadual.



Tendo cumprido as regras do Regulamento de ICMS do estado, observados os deveres instrumentais, não há que se responsabilizar o comprador pelas falhas da fiscalização. Tendo a documentação recebida satisfeito os requisitos legais, não há que se falar em responsabilizar e menos ainda acusar de participação nos ilícitos, o comerciante que a recebe.

Aos fiscais cabe a fiscalização e não ao comprador. Este deve agir com diligência de modo a observar os documentos, mais a fiscalização sobre idoneidade ou não de notas fiscais, estas cabem ao fisco do Estado.

Como bem observa Roberto Rodrigues de Moraes “in” tributario.net no artigo “Crédito de ICMS de NF Inidônea é confirmado pelo STJ” :

“Ora, se o contribuinte vendedor emitiu as notas fiscais a que está obrigado e com observância de todos os requisitos exigidos pela legislação pertinente, e se as vias das notas fiscais assim emitidas foram entregues normalmente aos destinatários, podemos afirmar que foram cumpridos os deveres instrumentais a que se submetem, em matéria de emissão de notas fiscais.

Além do mais, os deveres relativos à emissão e recepção de documentos fiscais comportam exame não só do emitente como também daquelas obrigações atribuídas ao comprador, além dos Fiscais de plantão nos Postos de Fiscalização, quando do trânsito em rodovias, pela obrigação de aferirem os veículos que por ali transitam com mercadorias. Têm-se então a presunção de legalidade da documentação a favor do adquirente, com possibilidade do creditamento do ICMS contido no documento fiscal.

Portanto, o contribuinte comprador NÃO É SUBSTITUTO DO FISCO, como bem asseverou o brilhante autor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que o recebedor de documento fiscal não é substituto do fisco (4):

“Deveras, sua função não é a de um investigador, nem a de um fiscal da Receita, nem a de um detetive, mas a de um comerciante que deve, perante o fisco, colher os dados que outrem está obrigado a lhe fornecer.

Aliás, o contribuinte, deste modo, apodera-se de elementos que necessitará perante o fisco e com ele colabora, por esta via, mas não se inverte sua posição. É dizer: não se transmuda primacialmente em servidor do Estado e secundariamente em comerciante, cuja atividade negocial apareceria ao ensejo de estar colaborando com o fisco. Meridiamente, a situação é inversa.

De resto, na posição de recebedor de informações de outrem, o contribuinte não tem de fato os dados concernentes à terceiro, à vida fiscal intestina da outra parte, precisamente por estarem em pauta fatos alheios. Nem tem, de direito, obrigação de conhecê-los, que, se os tivesse, seria despicienda a imposição do dever de reclamá-los da outra parte.

Menos ainda tem, de direito, a obrigação de pôr-se a questionar ou investigar a correção substancial do dever alheio. Faltam-lhe condições objetivas e falta-lhe título jurídico para tanto, quando exercita o poder-dever de reclamar da outra parte o cumprimento da obrigação de exibir o documento ou fornecer a declaração previstos no art. 20 do Regulamento do ICM.

Uma vez atendida pela outra parte aquilo que, segundo a ordem jurídica, pode e deve exigir, está encerrado o papel que lhe quadra quando exercita essa posição.

Daí que o fisco nada mais pode pretender dele senão o que os preceitos de direito lhe impõem".


Seria muito bom que as Receitas dos Estados seguissem essas lições. Evitariam por certo demandas prolongadas e que comumente terminam em Tribunais e com ganho de causa ao contribuinte de boa-fé, como se pode verificar pela decisão do STJ in RESP 1148.444-MG https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=9450951&sReg=200900143826&sData=20100427&sTipo=5&formato=PDF.

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